UM SONHO DO PASSADO...

Um Sonho do Passado...

Eu o via religiosamente as quartas Feira, inclinado sobre aquele túmulo, misturando prece com algumas lágrimas. Quantos anos tinha aquele velhinho? Noventa e alguns, com certeza, meio arcado para a frente. Ficava ali algumas horas. Depois um Neto vinha apanha-lo na saída do cemitério. Um dia me aproximei e perguntei quem estava ali, ao que ele respondeu

___Se tiver paciência eu lhe conto toda a história! --- Tendo concordado, ele iniciou:

“Vésperas do dia de Finados. As nove da manhã o sol causticante dava um colorido mais vivo as flores espalhadas pelos jazigos do “São João Batista” em um espetáculo cheio de beleza contrastando com o ambiente marcado por tantas lembranças tristes e recordações de entes queridos que se foram. A moça ajeitou o ramalhete de flores que havia trazido em um balde e comentou consigo mesma “Puxa! Esqueci da água” e olhando ao redor, perto dela, três túmulos á frente, viu aquele homem que tinha um balde com água e pediu

___Bom dia! O Senhor poderia me arrumar um pouco dessa água?

O homem olhou rapidamente para ela erguendo a cabeça respondendo a saudação.

___Claro que sim! Pode usar toda essa água, mas só uma coisinha moça: o Senhor está no céu viu! –respondeu ele em um gracejo, pedindo que a tratasse de você.

Começou assim a conversa entre o homem que aparentava trinta e poucos anos, e a bela mulher que, após ter ajeitado o vaso de flores sobre o túmulo, perguntou a ele quem estava naquele jazigo, ao que ele respondeu que era sua mãe, falecida há um ano. Ela expressou seus sentimentos e falou:

___E aqui está o meu marido. A gente se casou há cinco anos, mas no ano passado ele sofreu um acidente de trabalho que o afetou gravemente, vindo a morrer há seis meses por conta disso.

A conversa prolongou-se por quase uma hora, até que ele se despediu.

___A gente nem se apresentou, como é o seu nome? --- Indagou a mulher.

___Sou o Mário.

Então ela o olhou com atenção e disse que talvez o conhecesse. Ele quis saber de onde. Então ela perguntou se por um acaso, ele não era o menino que levava o almoço para ela, quando trabalhava na Fábrica de Tecidos. Ele a olhou longamente e exclamou

___Espere! Então você é a Rosinha?

___Era assim que me chamavam na Fábrica, por causa da minha mãe que se chamava Rosa e lá se aposentou, mas meu nome é Maria Aparecida!

___Minha nossa, como você está mudada! – ele exclamou.

Ela se lembrou que naquele tempo, ele a flertava. Ele sorriu e perguntou se ela se lembrava do bilhetinho colocado na marmita em certa ocasião. Um pouco sem jeito ela disse que sim. No bilhetinho estava escrito “Você é linda”, mas ele jurou que não era o autor do bilhete.

E a conversa correu solta com muitas lembranças. Ele contou que fora embora de Votorantim e que agora voltara, pois a empresa da Capital, onde fora contratado, voltou para Sorocaba há seis meses.

___Por isso que nunca mais vi você. Bom, é melhor eu ir andando. Até amanhã Mário!

Ele respondeu a saudação, mas afirmou que não vinha ao cemitério em dia de finados, que preferia vir na véspera, porque o movimento era bem menor, ao que ela completou “Então, até qualquer dia...”.

O Dia de Finados amanheceu nublado, ameaçando chuva. Mário dormira pouco naquela noite pois voltara ao passado e aquele sentimento que estava sepultado com o passar dos anos, começou a aflorar a sua mente. Sentiu vontade de ver Rosinha e, obedecendo ao coração, subiu no velho fusca e rumou para o cemitério, pensando em uma boa desculpa, caso ela perguntasse, pois tinha dito que só vinha na véspera...Fez o percurso até o cemitério, cantando uma velha cantiga do Roberto Carlos que dizia “Ô Rosa, que coisa louca, seria em dar um beijo em sua boca...” e que, naqueles tempos embalara seu sonho de namorar Rosinha.

Chegou no túmulo da sua mãe. Ela não estava lá. Talvez tivesse vindo bem cedo e já tinha ido embora, ou quem sabe, ainda nem chegara. Assim pensando sentou-se no túmulo e lá ficou com muita ansiedade. Não demorou muito e Rosinha chegou, trajando um vestido amarelo, cabelos soltos, emoldurando aquele rosto, cuja beleza o tempo não apagara.

___Que surpresa! Você aqui? Pensei que tivesse falado ontem, que não vinha em dia de finados! – exclamou ela.

Mário ficou em jeito. Gaguejou um pouco e sentindo que aquele momento era muito importante, para suas intenções, por causa do velho amor que estava de volta, falou a verdade

___ Espero que não me leve a mal, mas só vim por causa de você!

Rosinha sorriu, um tanto encabulada, desarmou a sombrinha azul que a protegia do sol e respondeu, olhando para o jazigo do seu falecido.

___Olha Mário, não sei o que você quer dizer com isso, a gente se reencontrou ontem e eu não estou pensando em um novo amor...Ainda tenho o falecido em meu coração.

Mário ficou desapontado. Ela lhe parecera tão entusiasmada em reencontra-lo. Ficou em silêncio, fez a sua prece no túmulo da mãe e em seguida, já se preparando para ir embora, tão decepcionado ficara, disse, com certa tristeza na voz:

___Está bom Rosinha! Nunca me dei bem com mulher, e não ia ser agora que a minha sorte iria mudar. Desculpe eu ter “avançado o sinal”. Continuarei o meu caminho, sozinho como sempre. Boa sorte a você e que Deus a console em seu luto.

Ela ficou sem graça com o que ele lhe falara. Mário retirou-se sem ao menos se despedir, e foi visitar alguns túmulos de parentes e depois passou longe de onde ela estava. Viu que ela o observava, mas não correspondeu o olhar, e dirigiu-se a portaria, no instante em que o tempo mudara, com nuvens negras carregadas chegando repentinamente. Ele encontrou alguns conhecidos e ficou ainda por algum tempo conversando. Depois passou pela portaria, dirigiu-se ao velho fusca, subiu, deu a partida, e já estava saindo quando viu Rosinha lhe acenando de longe. Parou o carro e ela veio em sua direção.

___Posso falar com você? ---perguntou, inclinando-se na janela do carro, deixando os cabelos caídos à frente, tentando ajeita-los para que não caíssem sobre o seu rosto.

___Claro que sim, mas suba que está chovendo – respondeu Mário. Ela aceitou a carona e sentada ao seu lado enquanto ele movimentava o velho fusca, começou a falar:

___Desculpe-me. Vi que você ficou chateado com a resposta que eu dei. Não queria lhe magoar, juro!

Mário abriu um sorriso, satisfeito, porque seu coração pressentira uma “Virada de jogo”, e respondeu

___Não magoou não, Rosinha. Fique em paz. A gente entende. Só invejo o seu falecido esposo, por essa fidelidade de sua parte, mesmo após ele ter partido desta vida.

E dizendo isso, foi mudar a marcha, e sem querer esbarrou na mão dela que estava apoiada na lateral do banco. Seus olhares se cruzaram. Na descida pela avenida Santo Antônio, teve que estacionar, pois começou a cair um dilúvio, e o limpador de para-brisa não vencia... As mãos se uniram novamente, agora de propósito, como uma descarga de 220 volts.... mais forte que um raio que caiu naquele momento nas imediações.

,,,Gesto que alguns meses depois se repetiu no altar da Igreja São João Batista, diante do Padre Antônio, que os abençoou unindo-os para sempre. Ali mesmo, bem perto da portaria da Fábrica de Tecidos, onde tudo começou, quando o menino magrelo e perebento, se apaixonou perdidamente pela moça linda, a quem levava marmita. Ele era tão complexado que se sentia um sapo querendo namorar uma princesa. Seus caminhos se desencontraram, mas quis o destino que se cruzassem novamente, após muitos anos, ali no cemitério, e aconteceu que a magia do amor os envolveu em meio aquela chuva torrencial. E a princesa, não resistindo, beijou o Sapo, que se transformou no seu verdadeiro príncipe encantado” encerrando definitivamente o seu luto pelo falecido.

Finda a sua narrativa, o Velhinho insistiu em dizer que, foi a sua história que inspirou o compositor votorantinense Athayde Júlio a escrever “Rosinha”, uma das primeiras músicas do Rei Roberto Carlos. Se é mesmo verdade, não se sabe...E limpando algumas lágrimas, e o suor que lhe caia em bicas, “Sêo Mário” concluiu:

___Ela se foi já fazem 10 anos. Mas um dia desse eu virei também, e se Deus quiser, daqui seguiremos juntos, por toda a eternidade, porque o nosso amor é mais forte que a morte!

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