GUARDA-CHUVA IMPERIAL - HISTÓRIA

 Guarda-Chuva Imperial 

Aquele guarda-chuva era uma verdadeira relíquia. Diziam que era do tempo do Império, havia um desenho de Dom Pedro, no cabo do guarda-chuva, que era de peroba puro. Por isso o “Sêo” Zé da Marva, o trazia a sete chaves, evitava usá-lo e até comprou um guarda-chuva mais barato, na feira, para quando chovesse. Era uma relíquia de família, pertencera ao Bisavô da sua esposa Marvina, que o havia ganho de um parente de um Conde. Havia sido fabricado em Portugal. Mas tal fato nunca fora confirmado sobre a procedência do guarda-chuva, mas pelo sim, pelo não, até uma reportagem sobre ele havia saído em um jornal de grande circulação, onde no retrato do guarda-chuva estava o casal Zé e a esposa Marvina toda orgulhosa. O Manoel Portuga, do armazém de secos e molhados chegara a sugerir que colocassem o guarda-chuva no seguro, pelo seu inestimável valor. Dizem até que um Caixeiro viajante chegou a oferecer um alto valor pelo guarda-chuva, mas na hora de fechar o negócio, Marvina entrou no meio e fez o Zé desistir, ficando ele com a má fama de ser um pau mandado, da mulher. 

O armazém do Manoel Portuga era o ponto de encontro dos homens, que lá passavam as tardes jogando Bocha e carteado, sendo que o Zé da Marva era um dos frequentadores. Aconteceu em uma sexta feira chuvosa. O carteado corria solto e o Zé , em dupla com o Tininho da Cida, seu compadre, estavam dando sorte, ganhando o jogo e levantando uma boa grana da aposta. Final de tarde, o Manoel Portuga já falando em fechar, e os truqueiros querendo jogar mais uma. O Zé da Marva mantinha um olho nas cartas e outro no precioso guarda-chuva, pois seu filho estava usando o seu guarda-chuva mais barato, e ele tinha pego  o guarda-chuva imperial, naquele dia. Outros que estavam naquela tarde no Armazém, deixaram seus guarda-chuvas armados para secar, no corredor perto das mesas de carteado. Passava das cinco da tarde quando deram o jogo por encerrado, no momento em que descia o maior aguaceiro. Zé da Marva esqueceu por instantes do guarda-chuva e foi ao banheiro, antes de ir embora, e quando voltou, foi logo dando o alarme “Santo Deus, levaram meu guarda-chuva!”, ao perceber que o Guarda chuva imperial não estava mais ali, perto dos outros.  

___Ô Portuga, não viu quem pegou meu guarda-chuva? 

___Vi não! – respondeu o português. 

O desespero começou a tomar conta do Zé da Marva. Como iria enfrentar a mulher? E como o sumiço do guarda-chuva era fato consumado, pegou um que estava por ali, e foi embora, muito nervoso. Possivelmente haviam levado por engano...No dia seguinte a notícia se espalhou no Vilarejo. “Roubaram o valioso Guarda-chuva” do Zé da Marva. A mulher fez um escarcéu, ameaçando até separar-se dele, chamando-o de burro, por ter levado o guarda-chuva no armazém do Portuga, onde, segundo ela, só tinha “ratos”. 

___Pode ter certeza, que foi alguém, que já tava de olho no guarda-chuva! Foi de propósito, tenho certeza!  --- dizia a Marva, muito furiosa, na sua briga com o marido. 

O Zé se defendia dizendo que haviam levado por engano, e a prova estava no guarda-chuva que ele trouxera, aliás, bem usado, e que tinha alguns furos rente as varetas. Os conhecidos do casal, todos lamentaram o fato. 

___Compadre Tininho, ocê viu o meu guarda-chuva, naquele dia que jogamos juntos? –perguntou o Zé da Marva, depois de alguns dias do ocorrido, quando cruzou com o compadre no largo da matriz.

___Óia cumpadre, prá ser sincero, nem reparei no guarda-chuva! – respondeu. 

E assim, o tempo passou e o caso do guarda-chuva foi caindo no esquecimento, menos para a Marva, que até perdoou o marido, mas que todo santo dia tinha algum xingamento a fazer, ao lembrar do guarda-chuva, e o Zé sempre rebatia:

___Se você tivesse deixado eu vender, agora nóis num tava no prejuízo! 

Certo dia o Zé da Marva foi na casa do compadre entregar chourisso que ele havia encomendado com o açougueiro da cidade próxima, que vinha fazer as entregas, e como o compadre morasse meio retirado, suas encomendas eram entregues na casa do Zé da Marva. Nessas ocasiões aproveitavam para pôr a conversa em ordem. Estavam tomando café quando despencou uma chuvarada que parecia um dilúvio. O Zé precisa ir embora pois naquele dia a esposa iria receber uns primos que vinham de férias, e o jantar seria especial. 

___Se ocê for na casa do compadre, venha logo prá casa, é um pé lá, outro aqui, pois quero que você me ajude a pôr a casa em ordem, e preparar o quarto onde os primos irão dormir. 

E como o Zé tinha medo da Marva, decidiu que iria, mesmo embaixo de chuva. Mas a comadre Conceição, mulher muito generosa, imediatamente mandou o marido pegar o guarda-chuva para emprestar para o compadre, mas o Tininho alegou que havia emprestado para alguém. 

___Vou na chuva mesmo, comadre, não tem importância!  - Disse o Zé, já ameaçando sair.

Mas a comadre não se conformou e foi ao quarto, enquanto dizia 

___Ocê tá enganado Tininho, hoje mesmo eu vi o guarda-chuva pendurado no guarda-roupa, deixa eu ir lá ver....---- disse ela, que pouco depois voltou com o guarda-chuva em mãos. 

___Aqui está compadre, na nossa idade é bom não tomar chuva, senão pega uma pneumonia, e veste o paletó de madeira. 

O Zé agradeceu e armando o guarda-chuva foi saindo da casa do compadre. No meio do caminho ele deu conta de que aquele era o seu precioso guarda-chuva e falou sozinho, no meio da chuva 

___Aquele caipora do compadre Tininho, ainda disse que nem tinha reparado no meu guarda-chuva, quando jogamos carteado. Então foi ele, esse safado! A comadre nem sabia de nada. 

E dois dias depois, marcaram de ir jogar carteado no armazém do Portuga e a turma de linguarudos, que já estavam lá, ao verem o Zé da Marva chegando com um guarda-chuva na mão, já foram corneteando.

___E daí, Zé, vai tratar jogo? Com esse solão quente, só você mesmo, prá andar de guarda-chuva!

O Zé não disse nada, mas foi chegando junto a turma e entregou o guarda-chuva ao Tininho, naturalmente era o guarda-chuva que havia levado, em lugar do seu, no dia fatídico. 

___Aqui está o seu guarda-chuva, compadre! Muito obrigado por ter me emprestado para eu poder ir embora da sua casa, naquele aguaceiro. 

Tininho, desenxabido, pegou o guarda-chuva, que era dele mesmo, e quando olhou e viu que aquele era o seu velho guarda-chuva, com alguns furos no pano, e respondeu, a meia voz, bastante sem graça:

___Não há de que, compadre, não há de que.... 

Dizem que a Marva, fez um almoço especial no domingo, servindo leitoa a pururuca, prato que o Zé adorava, só para comemorar por ter recuperado o guarda-chuva. E ela bem que quis saber quem havia levado, mas o Zé desconversou, e ficou o dito pelo não dito.

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